THE VOICE: A INDÚSTRIA DA CONTRAPRODUCÊNCIA MUSICAL
- Daniel Azevedo
- 17 de jun. de 2019
- 3 min de leitura
Leitores veteranos desta página certamente já conhecem minhas críticas sobre a crise do rock pós anos 2000. Em algumas de minhas postagens, destaquei alguns fatores que contribuíram sobremaneira para o declínio criativo do gênero musical, e que, de certa forma, ensejaram a sua "hibernação" nas últimas décadas. No entanto, há um fator específico que deixei de mencionar. Não por passar despercebido, mas simplesmente por guardar uma relevância tal que o faz merecer uma postagem própria.
Quero falar um pouco sobre o reality show "The Voice". E também, logicamente, sobre "X Factor", "America's Got Talent", "American Idol", "The Four Brasil", "Superstar" e todas as bobagens congêneres.
Se você nunca ouviu falar de algum desses programas (o que duvido), explico-lhe: são "reality shows" em que um grupo de jurados irá avaliar potenciais artistas. Eventualmente, sagrando-se vencedores, receberão prêmios e toda a sorte de benefícios.
Confesso que acompanhei a 1ª edição do The Voice Brasil. Não por vontade própria, mas pela participação de uma cantora de minha cidade. Uma jovem moça nordestina que guarda um talento indescritível. E nos primeiros episódios, analisando os demais músicos e musicistas que ali se apresentavam, compreendi rapidamente a lógica do "sistema The Voice". Não há, de fato, um julgamento sério e comprometido com a arte. Existe, não tenha dúvidas, uma verdadeira seleção de cantores (as) que se enquadram em um padrão específico exigido pela emissora patrocinadora do programa. Refiro-me ao "Padrão The Voice" de cantar. Aliás, você não precisa ser um intelectual da música para entender do que estou falando. Sim, aquele jeito de cantar "enfeitado", cheio de firulas, melismas e ornamentos vocais, alterando a melodia original da canção para parecer "cool", talentoso ou surpreendente. E o pior: sob o julgamento de "artistas" do nível "Cláudia Leitte", "Michel Teló", "Simone e Simaria" dentre outros, todos eles, inclusive, de costas aos que cantam no momento. Sejamos francos: o que estes jurados sabem sobre técnica vocal a ponto de mostrar que merecem ter os ouvidos conquistados para apertar o botão e olhar de frente aos jovens cantores que estão se apresentando?
O programa "The Voice" presta um desserviço à música brasileira e internacional. A exigência do "padrão The Voice" sufoca o ímpeto de originalidade de certos (potenciais) artistas, obrigando-os a se submeter às exigências comerciais das emissoras televisivas e dando protagonismo apenas àqueles que seriam interessante "tocar na rádio". O aspirante à cantor (a), que sobe no palco cheio de esperanças, não tem espaço para inovar. Por não ser "interessante" do ponto de vista mercadológico, não será classificado às primeiras posições. Ouso dizer que vocalistas do tipo John Lennon, B.B King, Ozzy Osbourne ou Janis Joplin jamais, em vida, chegariam ao 10º lugar, pois, atualmente, não é isso que o público quer consumir. Aliás, sejamos francos: o rock/metal sequer tem espaço nesses programas. Quando, de fato, surge algum (a) cantor (a) do gênero, o clima de "riso" e "comédia" impera no ar, pois soam piegas demais perante os desqualificadíssimos jurados. É algo absolutamente grotesco ver a plateia rindo dos que surgem para cantar rock'n'roll. Agora imaginem alguém subindo no palco para cantar "Highway To Hell" sendo julgado por Cláudia Leitte, Michel Teló e Lulu Santos? Talvez isso, sim, soe bastante hilário e desprezível.
Pergunto-lhes: quantos artistas vencedores desses programas estão hoje em absoluta evidência? Onde estão os vencedores do "The Voice", "X Factor", "Superstar" etc? Ainda que venhamos a recordar um ou outro, tenho certeza que vocês não lembrarão da maioria. Muitos estão sumidos, esquecidos ou mesmo desprezados pelo próprio público que os elegeram. Viveram um momento de fama e glória, mas hoje sequer são lembrados pelas próprias emissoras que os "lançaram". Claro, com raríssimas exceções. E é assim que esses programas crescem: alimentando-se provisoriamente da audiência gerada pelo talento de determinadas pessoas. Finalizada a edição, descartam o artista e convocam os próximos da fila (desde que estejam, logicamente, comprometidos com a política comercial do programa). O próprio guitarrista do Queen (Brian May) já declarou: "The Voice é o insulto final à música". É, Bri, devo concordar com você! FONTE DA IMAGEM: https://catracalivre.com.br/wp-content/uploads/2018/07/jurados-the-voice-brasil-1-768x392.jpg

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