Sepultura: análise completa de "Quadra", novo disco
- Daniel Azevedo
- 9 de fev. de 2020
- 6 min de leitura

(Foto extraída de: https://whiplash.net/imagens_promo/sepultura_capa_quadra.jpg)
Na última sexta-feira (07/02), a banda brasileira Sepultura lançou o seu 15º álbum de estúdio, intitulado "Quadra", cujo conceito perpassa por ideias e filosofias relacionadas à cosmologia, música, geometria e matemática, representando, em síntese, um profundo questionamento acerca das regras, princípios e valores que nos são apresentados como "verdadeiros".
O disco gira em torno do número 4 (em referência às 4 artes liberais acima citadas, extraídas do livro "Quadrivium") e, como esclarece o guitarrista Andreas Kisser, é dividido em 4 partes (como se fossem lados A, B, C e D de um vinil). "O lado A é mais tradicional, trash metal; o B é mais percussivo, com ritmos brasileiros; o C vai um pouco mais além, com o violão, mais instrumental como característica geral; e o D é aquela coisa mais "groovada", lenta, com melodia", explica.
Este disco revela, inquestionavelmente, um Sepultura em sua fase mais "técnica". Já nas primeiras músicas é possível perceber - com bastante facilidade - o patamar alcançado pelo quarteto, tornando-se uma das bandas de metal mais sérias e comprometidas com a música da atualidade. Em Quadra, há muito mais do que riffs, solos e vocais agressivos. As canções são, a meu ver, desafiadoras. Ousadas. Modernas. O foco são as problemáticas da contemporaneidade. Aliás, há um verdadeiro aprofundamento do conceito do disco anterior, o "Machine Messiah".
São 12 músicas coesas que devem ser ouvidas de uma vez, sem pular faixas, sob pena de estarmos desconsiderando partes de uma obra magnificente. É um trabalho único. Quadra é uma verdadeira peça teatral cujos atores são todos protagonistas. A banda atingiu um nível de versatilidade e entrosamento jamais visto. Não há como definir quem se destacou mais ou menos. Soaria absurdo não elogiar todos os integrantes. Ora é possível delirar com as linhas de bateria, ora com os belíssimos solos de guitarra, ora com o peso do baixo e ora com os vocais absurdamente agressivos e perfeitamente encaixados nas canções.
A seguir, minhas impressões e análises sobre cada faixa:
1 - ISOLATION
A música, escrita pelo vocalista Derrick Green e já apresentada ao público no ano passado (foi executada no Rock in Rio), aborda o sistema prisional americano e o quão falho é no quesito "ressocialização", tendo em vista que o confinamento de certos indivíduos gera uma instabilidade mental tamanha que é capaz de pôr em risco a própria sociedade. Os riffs são simplesmente matadores - associei um pouco à sonoridade do Slayer - e geram uma atmosfera sombria na canção. Em dado momento, há um coral que poderia definir como "assustadoramente belo", e que se repetirá nas próximas canções...
2 - MEANS TO AN END
Essa música fala sobre a lavagem cerebral que nos fazem desde os primórdios de nossa existência. Desde sempre, "verdades" são incutidas em nossa cabeça por pessoas que se aproveitam de nossas fraquezas, implantando medos e, em igual medida, soluções. Acorde! Quem é o culpado? Questione. Indague. Saia da sua zona de conforto e trace sua própria percepção! Não há o "certo e o errado", mas tão somente indivíduos que querem impor o próprio conceito de "verdadeiro" ou "falso". Nesta música, há dois solos lindíssimos, e o primeiro é formado por um jogo de duas guitarras que nos remete ao Iron Maiden. Há uma sequência rítmica poderosa que, a meu ver, é propositalmente relacionada à letra da canção. "WAKE UP", você não pode pular essa faixa!
3 - LAST TIME
"Last Time" é uma canção que trata do sofrimento causado pelo inseparável binômio "vício-abstinência" e que leva muitos ao fundo do poço. "Só mais um, eu juro", é uma das frases que costumamos afirmar quando queremos aliviar nossos desejos insaciáveis. Na minha ótica, a banda não quis se referir às drogas ilícitas, mas sim - levando em consideração o conceito do álbum - ao fato de que a verdade pronta e acabada nos parece mais doce e saborosa, mais agradável e confortável, ou seja, viciante. Apegar-se àquelas informações já moldadas e adornadas parece ser mais cômodo para nós. A canção se inicia com um duelo de guitarras, possivelmente fazendo com que o ouvinte "sinta" o quão doloroso é viver ora eufórico, ora deprimido, reações típicas da dependência. Um verdadeiro balde de água fria. Aliás, os corais obscuros ressurgem, o que me causou uma sensação de continuidade entre esta música e a primeira.
4 - CAPITAL ENSLAVEMENT
Aperte o play e feche os olhos. Sei que você imaginou o Sepultura em meados de 1996 com os índios Xavantes. A canção "Ratamahatta" vem à tona. Sim, "Capital Enslavement" é cheia de brasilidade, conceito introduzido pela banda no disco Roots, na década de 90, e isso já é suficiente para resgatar as memórias dos fãs mais antigos. "Capital Enslavement", na minha visão, aborda o ponto de vista de alguém já firmado em sua zona de conforto imposta por aqueles que se declaram "donos da verdade". Não importa o quão péssima esteja a nossa situação, mas enquanto estiverem colocando comidas em nossas bocas, precisamos defender esta "verdade" lutando por ela, mentindo por ela e até mesmo matando por isso. De igual modo, esta mesma mente que sugere que sigamos o que nos impõem, também está atormentada, conflituosa, lutando contra demônios, oprimindo gritos e negando todos os sintomas, prestes a despertar e sentir o peso de descobrir a verdade.
5 - ALI
Para muitos, a melhor faixa do disco. Somente um hater da pior espécie para não se arrepiar com a genialidade da canção. Frenética e acelerada, "Ali" é um dos vários pontos altos do disco, em que os quatro membros tentam mostrar um pouco do que podem fazer de melhor. Ouso dizer, sem medo de errar, que "Ali" tem uma das letras mais belas do Sepultura. Em minha concepção, trata-se de alguém que consegue superar todas as adversidades da vida (inclusive o racismo), desconsiderando tudo o que dizem a seu respeito, tornando-se "campeão mundial". Uma verdeira ode ao lutador Muhammad Ali, falecido em 2016, aos 74 anos, após uma luta de 32 anos contra o mal de Parkinson.
6 - RAGING VOID
Raging Void tem um refrão excelente, daqueles que fixam na cabeça, e alterna entre peso e tensão através de um belíssimo jogo de guitarras e uma sequência poderosa de riffs em cadência melódica. Esta música é uma convocação, um chamado para que eu e você desepertemos a pensar, olhar para dentro e procurar a verdade.
7 - GUARDIANS OF EARTH
Essa, para mim, é a melhor música do álbum Quadra. A canção se inicia com uma belíssima introdução de violão que parece não se decidir aonde quer chegar. Após alguns segundos, uma sequência rítmica de baquetas tenta trazer o direcionamento correto à perdida melodia assim como em uma guerra onde os inimigos não conseguem se ver, mas estão prestes a se encontrar. Em seguida, novamente o misterioso coral surge, mas desta vez tomam as rédeas da canção. Quando você pensa que nada mais pode ser acrescentado, Green, Kisser, Xisto e Casagrande aparecem quebrando tudo com o seu "mais pesado". O fator surpresa surge quando Derrick canta de forma melódica, trazendo mais complexidade (e completude) à canção. A música retoma a temática abordada nas letras anteriores.
8 - THE PENTAGRAM
Trata-se de uma canção instrumental, que não é exatamente algo fácil de se compreender. Os músicos brincam com os instrumentos e com suas virtudes. Há um dos solos mais virtuosos da carreira de Andreas Kisser.
9 - AUTEM
Esta música, cujo refrão é simplesmente fantástico, fala sobre o quão forte devemos ser para deixar nossos erros para trás. Aliás, descobrir a verdade pode, para muitos, causar vergonha pelas atitudes do passado. Todavia, não podemos deixar que isso nos domine: sigamos adiante, vivamos o hoje sem se envergonhar, pois nós somos os únicos juízes de nós mesmos!
10 - QUADRA
1, 2, 3..."quatro": um violão sinistro e obscuro compõe a rápida faixa-título do disco.
11 - AGONY OF DEFEAT
A melodia inicial desta canção - considerada, por muitos, como a melhor faixa do álbum - despertou em mim lembranças de The Call of Ktulu, do Metallica. Não me perguntem o porquê. Em "Agony of Defeat", novamente vemos um Derrick melódico. Esta música retrata uma mente inquieta, cheia de dúvidas e de conflitos (muito bem interpretada pelo vocalista), e que, a todo momento, aprisionada, tenta lidar com o exterior. Os corais sombrios ressurgem esporadicamente na canção.
12 - FEAR, PAIN, CHAOS, SUFFERING
A música de encerramento conta com a participação da talentosa Emmily Barreto, vocalista da banda Far From Alaska (Rio Grande do Norte) e traça todo o panorama do desastre causado pela guerra em busca da verdade e do autoconhecimento. Medo, dor, caos e sofrimento são o horizonte das almas perdidas que ainda insistem em vaguear e andar livremente pelo mundo...
E você? O que achou de Quadra? Deixe o seu comentário!
Daniel Azevedo de Oliveira Maia
Instagram: @danielazevedojp
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