OITO ANOS SEM AMY WINEHOUSE: O ÍCONE VULNERÁVEL
- Dostoievsky Andrade
- 25 de jul. de 2019
- 3 min de leitura
No auge de seus 16 anos em um vídeo caseiro gravado, Amy Jade Winehouse revela: “ Sou uma garota bem diferente, gosto de música clássica, blues e jazz, não sou bonita e não sei dançar! Tudo isso é ótimo porque não vou ficar famosa com isso. Eu não aguentaria! Acho que enlouqueceria!”
Nestes oito anos sem Amy Winehouse nada nem parece chegar perto ao que representou sua curta trajetória pela cena musical. Além de um talento visceral, sua voz, performance, canções, dois discos e todo o conjunto trágico e ao mesmo tempo desatinado de sua história, fez deste ícone da musica um símbolo de como é ser humano nesta alienação quase esquizofrênica da fama, da glória e do prestígio.

Amy na sua despretensão não levou muito a sério seu status de notável quando ainda aos 22 anos estreia com um disco arrebatador. Tratava-se de Frank, lançado em 2003 com um catálogo de músicas que se entranhava nas influências de raiz do jazz com uma pegada pop. A crítica se rendeu ao disco de uma garota inglesa tipicamente “teen” e com voz robusta de cantora negra veterana.
A modéstia e a forma quase singela e as vezes pueril com que Amy encarava seu amor pelo jazz tem em raízes genealógicas a fonte de suas influencias musicais que passou por gerações da família de músicos, e que denota em Amy uma textura da soma de várias outras influências das veteranas Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Bessie Smith e Sarah Vaughan.
Não obstante seu estrato artístico natural fundir com sua juventude e beleza, Amy tão avessa ao “mainstream”, terminou por sucumbir a todo glamour e magnetismo da fama que invadiu sua vida de forma avassaladora.
Sua popularidade apresentou a gerações de jovens a sofisticação do jazz e misturou com toques de ska, R&B e até reggae que ganha tintas de pop, principalmente da forma honesta com que Amy declamava seus versos cheios de sarcasmo, deboche e ironia de suas próprias tragédias pessoais. Isso incluía muita desilusão amorosa tão frívolas e efêmeras que muitas vezes durava o tempo de secar um litro de vinho partilhado á dois.
Sua perspicácia em resignificar dramas do cotidiano inseridas em um contexto musical impecável, tornou seu trabalho artístico um escape de muitas perturbações emocionais que eram sobrepostas no divã da euforia e arrebatamento da fama. Sem estrutura emocional, psicológica e espiritual para encarar as pressões de ser uma unanimidade artística, Amy expõe toda sua vulnerabilidade fora dos palcos em um espiral tresloucado de excessos com drogas, álcool e relações auto-destrutivas.

Todo esse espectro de exorbitâncias trágicas e caóticas que a envolvia, não maculavam seu talento nato e sua áurea de diva, mesmo que no outro dia ela estivesse no pub com sua dose de vodka, sentada no banco do balcão chorando para o barman e saindo carregada pelos amigos com a maquiagem e o penteado Pun Up todo esgarçado. A identificação com sua franqueza humana e a sinceridade com que partilhava seu declínio pessoal a tornava um objeto de manipulação da mídia e um fascínio das pessoas pela sua forma tão humana e ordinária de viver este contexto das celebridades. Na conjuntura insuportável do politicamente correto, a ausência de Amy é uma lacuna imensa.
Seu segundo disco Black to Black lançado em 2006 é um colosso musical em que Amy, afundada na depressão e na conturbada relação com o marido Blake Fielder-Civil, transforma todo este movimento emocional pungente em letras belíssimas e arranjos musicais sublimes e irretocáveis.
Considerado o melhor disco do ano, Amy foi a artista mais premiada de 2006 e 2007 com esta obra considerada um dos melhores discos pop de todos os tempos e o mais vendido do século 21 no Reino Unido.
B to B era para ser um disco duplo e algumas reminiscências para o próximo disco da cantora estão sendo trabalhadas pelo produtor Mark Ronson e Salaam Remi para o disco póstumo intitulado Lioness, ainda sem data de estreia. Algumas músicas que não entraram no disco Frank, estarão nesta coletânea.
Em seus últimos shows a derrocada de Amy era uma sucessão de embaraços com ela no palco cantando bêbada e errando todas as letras e entonações. Em sua última rehab, Amy parecia libertada, feliz e restaurada. Em um período considerável de abstinência, Amy sucumbe a uma ingestão desmoderada de álcool e foi encontrada morta no dia 23 de julho de 2011, na sua casa em Camden Town, no norte de Londres.
Em uma de suas letras Amy declama “Me faça bem que eu digo tudo o que queres ouvir”, uma amostra clara de como sua solidão, seu infortúnio emocional e sua entrega auto-destrutiva era apenas um clamor por proteção e refugio. Sua curta trajetória, mas intensa em todas as dimensões da sua vida, seja artística seja pessoal, a conduziu para o painel iluminado dos imortais, apenas revelando sua arte espontânea, natural, franca tão suscetível e ao mesmo tempo tão indefesa. Tão gente como a gente!
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