O "BOOM" E O PERIGO DAS “LIVES”
- Dostoievsky Andrade
- 17 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
As concepções filosóficas de que o mundo não será mais o mesmo após o impacto da COVID19 tem em vários segmentos alguns vetores de reinvenção e ressignificação com a finalidade de se adaptar às circunstâncias da crise.
As famosas “lives” no universo musical foi um fragmento destas mudanças que em tempos de isolamento assumem um novo terreno de possibilidades para manutenção do status de entretenimento, conservar a popularidade dos artistas e estabelecer novos formatos de promoção musical e até formar um sítio de campanhas de auxílio social.

Nesta perspectiva não se pode ser tão cândido e inocente em achar que isto é um movimento espontâneo. Tem método nisso tudo. E claro, que dentro das presunções de mercado imposto pela indústria fonográfica ou mesmo pela necessidade de expressar artisticamente na impossibilidade de se expor no ambiente coletivo, as “lives” conferem um certo abrandamento dos impactos negativos da atividade artística.
O sucesso estratosférico das primeiras “lives”, aqui no Brasil liderados pelo sertanejo universitário, encorajou uma multidão de artistas da musica a fazerem o mesmo. Arrumar um canto da sala, uma poltrona chique e um violão do lado para cantar os seus respectivos hits.
Essa novidade foi um bálsamo suave de divertimento e alivio na sensação as vezes sufocante do isolamento. E foi muito bem-vinda com uma audiência desmesurada de pessoas acompanhando os shows caseiros de seus artistas prediletos.
As reuniões musicais envolvendo uma enormidade de pessoas online interagindo atesta a necessidade de que em isolamento aumenta a ânsia de sensação de pertencimento e envolvimento de interlocuções na rede social.
Estudos americanos que vem acompanhando o comportamento das pessoas nos períodos de quarentena da crise do COVID em países que passaram pelo estado mais crítico do isolamento, concluem que o isolado busca todas as alternativas inovadoras para vencer a monotonia. Mas ao mesmo tempo em que uma sociedade toda se digitaliza ao tentar compensar o marasmo do ambiente caseiro, uma sensação de melancolia e uma misto de impaciência e ansiedade se junta em uma combinação que dita o comportamento das pessoas nestes tempos: a banalização e o desapreço rápido de todas estas novidades.
Na sociedade fluida e movimentada por uma célere dinâmica de ocorrências existências, parar abruptamente neste contexto em que se incorpora medo, dilemas do futuro e mortes, o equilíbrio mental altera suas rotas do estado de espirito para uma natureza menos resiliente diante de tantas transformações inesperadas.
E é ai que a percepção sobre as “lives” começam a despertar menos interesse. Não obstante todo o clima de descontração, alegria, e proximidade do fã com o seu ídolo revestido de “gente como a gente”, o ser humano sempre associou seu culto ao artista a uma imagem idealizada, que a própria indústria capitalista ajudou a criar. Um ídolo impecável no figurino inserido em um cenário de sonhos e com um comportamento totalmente formatado para agradar as pessoas sob a tutela de agentes , figurinistas, cenógrafos, diretores artísticos etc etc, O que se vê nesta conjuntura de isolamento é o artista humanizado, desajeitado, se comportando como se tivesse em casa ou no ensaio. Acabou o glamour. E a interação muitas vezes causam um certo constrangimento porque os “haters” em época de quarentena amplificando toda sua acidez, destila ódio e criticas á performance que evidencia um certo constrangimento dos artistas, que para interagir precisa passar pelo comentário infeliz e manter o equilíbrio emocional para continuar.

As pessoas já optam por outras alternativas em reação ao “boom” das lives já associando sua falta de interesse causada pelos excessos de “lives” dentro do mesmo formato fechado de ambiência domiciliar, amadorismo, ou quando se configura como evento bem produzido os longos períodos de exposição com muita propaganda e comportamento dos cantores pretensiosamente desprovidos de certa liturgia artística para passar a imagem de “bagaceira” e assim atender a um público que tem afeição pelo grotesco e se tornar fonte de memes.
Mesmo ampliando uma fronteira de espaço para exposição e a agenda cheia de “lives” para os próximos dias, a indústria vem encarando o movimento com bons olhos por associa-lo a um bom faturamento, principalmente em anúncios de produtos e serviços, já que os shows e todo o staff que envolve as grandes produções não vislumbram um retorno rápido diante das repercussões geradas pela contaminação do Corona vírus. As TV’s já percebem também o filão e querem abocanhar uma porção dos resultados deste formato.
Alguns artistas orientados por seus agentes querem evitar as “lives” para não sucumbirem a um modelo popular e ao mesmo tempo menos sofisticados e susceptíveis aos erros. “É uma armadilha perigosa deixar o artista tão vulnerável ao vivo com tanta gente de cabeça vazia percebendo certas fragilidades comum do ser humano artista em “lives” que se percorrem por horas e que o “timming” de curtir a música se esgota em poucos minutos. O espectador logo se farta e fica esperando algo diferente como uma fala equivocada, uma desafinação ali, ou uma nota errada aqui” diz um dos produtores do Radiohead que optou por liberar seus consertos gratuitamente em suas plataformas. A banda Metallica fez o mesmo.

Em tempos de quarentena o importante é que o show deva continuar. Mas o melhor mesmo é torcer para que tudo isso acabe e que possamos viver a liberdade de confraternizar coletivamente em uma arena de show ao som dos nossos artistas nos eventos produzidos para entreter e nos conduzir a plenitude do prazer.
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