Morrissey e seu posicionamento político: é possível separar a arte da política?
- Dostoievsky Andrade
- 5 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
A polêmica envolvendo Morrissey (ex The Smiths) sobre seu recente posicionamento político vem contribuindo para um verdadeiro debate dos efeitos da opinião sobre a obra primorosa de artistas. A contribuição de Morrissey para a cultura musical é desmedida, principalmente no que se refere a sua colaboração como letrista e performances no lendário The Smiths e também na sua carreira solo.
Vamos explicar os lances da polêmica: Morrissey recentemente vem declarando em discursos, em postagens no twitter e até em imagens sua adesão a ideologia política de extrema direita, uma onda de convicções radicais avassaladora que vem modulando o status polarizante dos posicionamentos políticos na Europa. O contexto de crise econômica, migração em massa, os grandes dilemas do pós-modernismo vêm modulando convicções, crenças, e conceitos sobre os destinos sócio-político dos países de primeiro mundo. Uma necessidade de se buscar uma nova fórmula para lidar com o colapso e instabilidade que a crise multifacetária vem ostentando.

Neste contexto de crise em várias dimensões, é fácil sucumbir ao modelo remoto de outrora, em que diante de um cenário de estabilidade se busca obter nesta conjuntura a mesma solidez harmônica existencial do passado. As soluções para a concepção filosófica, é de que a saída deverá se submeter a muitos questionamentos e a implementação das propostas serão definidos sob um processo de desconstrução para depois se construir novos horizontes, ou seja, um longo decurso de tempo para se alcançar novas perspectivas.
Mas no mundo fluído, frenético e vertiginoso dos novos tempos, soluções rápidas está nesta lógica dos expedientes recursos para resolver os problemas do mundo. A histeria se apropria da racionalidade, a polarização de posições político-ideológica avoca um conflito que alcança as vísceras da insensatez em um paradoxal movimento hostil em que ódio, fúria e incoerência dita as regras da convivência beligerante em que se tornou a relações humanas na atualidade.
A bola da vez agora é Morrissey. Seus discursos, não obstante, flertar com concepções que se contradiz com suas letras do passado, apoiando políticos hostis aos direitos humanos, que demonizam a imigração e ao paternalismo estatal, vem sofrendo ataques de cólera e sofrendo boicotes artístico e comercial.

A posição política de artistas sempre foi um viés polêmico. Muitos artistas optam pela neutralidade para justamente centralizar as energias em suas obras e evadir-se de polêmicas que possam repercutir em sua manifestação artística. Outros concebem a ideia de que a influência de um artista com seu poder de propagar movimentos de afirmação, empoderamento de minorias e de pautas político-social de vários segmentos devem ser consideradas um braço da atividade artística sob a égide da responsabilidade social.
Mas no meu humilde ponto de vista, separar o artista com posicionamento político-ideológico de sua grandiosa obra é um exercício de indulgencia e tolerância que oxigena a cena nestes tempos de crise de relação. É inegável a contribuição de Morrissey com suas letras abordando os dilemas da juventude, os impactos das decisões políticas do Thatcherismo e a acidez com a monarquia inglesa e de como todo este arsenal artístico modulou o pensamento moderno e nosso aprimoramento crítico e filosófico sobre os impasses que a conjuntura histórica nos colocou.
Tenho a concepção de que a música é um recurso que nos permite vivenciar uma experiência transcendental, algo que nos move a ser melhor, a nos transportar para outras dimensões e extensões da subsistência nesse cenário tão caótico e desconexo. A música pousa sobre o metafísico em um sublime efeito psicológico que nos ascende a um estado de prazer pleno. Contaminar este processo de catarse e libertação por causa do pensamento político do autor da obra é se auto sabotar e de uma estupidez profunda. Lamentável, porque termina por ser uma perda pessoal levada para a vala da ignorância e inépcia de colocar uma fenda entre a obra e o artista(pessoa), cheias de falhas, vitimas da humanidade que conduz na mais comezinhas imperfeições a condição de ser humano tão ordinário e comum como também somos nós interlocutores.
É importante destacar que o processo artístico tem uma familiar relação com questões políticas e sociais. O artista utiliza de sua manifestação artística como ferramenta de expressão a partir de uma perspectiva pessoal. Insere estes elementos em uma estrutura poética e subjetiva, inferindo a possibilidade de na reflexão acerca do que se quer externar a tradução de suas impressões sobre suas concepções.
Essa forma de diálogo com quem se está contemplando a arte é legitima e natural em seus propósitos simbólicos de se comunicar e assim destacar seus posicionamentos. O artista que assume uma abordagem panfletária e se comunica como se estivesse em um palanque e discursa em uma interlocução direta desfigura seu propósito e se transforma em uma agente político tão caricato e infeliz que se torna uma alegoria trágica de sua biografia.
Nesse sentido Morrissey peca por flertar com este modelo desagradável e inoportuno de assumir posturas políticas tão estridentes em sua seiva polêmica que termina sobrelevando seu legado artístico, muitas vezes encorajado por uma necessidade de se auto afirmar por carências emocionais que se irrompem em manifestações sem sentido e contraditório ao que ele mesmo pregava no passado.
“Morrissey criou obras extraordinárias, originais, de uma beleza incomparável que durarão por muito tempo além de suas ofensivas alianças politicas”, corrobora com meu pensamento o de Nick Cave em uma publicação recente. Enfim, o ideal seria que o artista canalizasse seu processo para arte em seus vários segmentos e isto inclui seu posicionamento político, mas dentro de uma metalinguagem artística.
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