AS ULTIMAS 24 HORAS DO TROVADOR SOLITÁRIO: 23 ANOS SEM RENATO RUSSO
- Dostoievsky Andrade
- 13 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Em 1996, Renato Russo já não escondia sua profunda depressão. Conduzido pela melancolia, abatimento e desesperança, não tinha mais ânimo para sair de casa ou curtir as conversas com os amigos no bar “Paz & Amor” em Ipanema no Rio de Janeiro . Em um intervalo de três meses Renato perdeu 20 quilos consumido pela anorexia, reflexo de uma depressão profunda.
Nos últimos meses sinalizava-se o quanto Renato havia perdido sua energia sucumbida com a perspectiva da morte pelos efeitos da AIDS e do tratamento. O lançamento de “A Tempestade” foi apressado, pois Renato estava enfraquecido e doente. Os produtores musicais da EMI ouviram uma prévia das músicas do disco e na primeira escuta acharam a sonoridade e letras muito soturnas e sugeriram fazer parcerias. Até para animar um pouco mais Renato Russo.

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá decidem conduzir a produção do disco com um tom mais ameno e musicaliza com uma calibragem sonora composta de estilos variados passando pelo blues, soul e até o punk, além das parcerias com Marisa Monte e com Cassia Eller. Dado sabia que Renato precisava deste upgrade no processo criativo do disco depois que ouviu Renato cantar Via Láctea. Era a confirmação de que o cantor fora alvejado pela depressão.
Neste mesmo ano, Renato pouco acompanhou o lançamento do disco e sua repercussão. Deixou de lado os finais de tarde em que ouvia muita música para se inspirar a escrever letras e músicas, e deixou aos poucos de receber os amigos.
Em julho daquele ano, Renato precisou se internar em uma clinica na zona sul do Rio de Janeiro sob sigilo para evitar especulações da imprensa. Renato estava em um grau preocupante de desnutrição e os efeitos colaterais do AZT o deixou desidratado. Precisou colocar uma sonda nasogástrica para se alimentar.
Recuperado, mas ainda muito debilitado, Renato pediu ao seu médico que o autorizasse a alta para que ele pudesse permanecer com o tratamento em casa. Mesmo contra a vontade, o médico o liberou mas adiantou a família e inclusive ao cantor que seu prognóstico era sinistro.
Renato ainda dedilhava algumas músicas em seu teclado na sala de seu apartamento, mas deixou definitivamente de tocar depois do retorno ao hospital. Seu estado depressivo em conformidade com seu estado físico deteriorado o estimulava a flertar o tempo inteiro com o suicídio. Dado Vila-Lobos ouviu um boato de que Renato poderia ter se suicidado e correu para o apartamento do cantor e o encontrou com o pai do poeta inconformado com sua condição. Ao se deparar com o estado lastimável do amigo se rendeu a um choro inevitável acompanhado de Renato que soluçava sob seus braços. Renato cantarolou: “Dado, Dado, Dado o que fizeram com você?” trecho da música Dado Viciado escrita por Renato. Dado aos prantos só teve forças para dizer: "Eu sempre vou te amar meu poeta...meu amigo!" testemunhou Fernanda esposa do guitarrista.
Nos últimos dias de vida de Renato, que tinha prometido ao médico que iria voltar a se alimentar, não comia quase nada e ingeria pouca água. Em suas ultimas 24 horas Renato Russo encontrava-se debilitado sem poder se levantar da cama. Estava acometido com uma infecção urinária e pulmonar adquirida no período em que estava internado no hospital. Renato Manfredini, pai de Russo foi sua única companhia ao morrer. O cantor não queria que o filho Giuliano, que estava sob os cuidados da Mãe, Maria do Carmo, em Brasília não o visse naquelas condições. A mãe de Renato não se despediu do filho.
O pai de Renato observando que o filho estava seguindo sua rota terminal, ligou a velha vitrola retrô que tinha na sala do apartamento, aproximou o aparelho do corredor e pegou o disco com a música que Renato havia pedido para que fosse a trilha sonora de sua partida: “With God On Our Side” de Bob Dylan.
No dia 11 de Outubro de 1996 foi anunciada a morte de Renato Manfredini Júnior. Seu corpo foi cremado e suas cinzas foram jogadas sobre um jardim florido no sítio do paisagista Burle Marx a pedido do próprio poeta.
Dias depois, Dado e Marcelo Bonfá anunciam em uma entrevista coletiva na sede da EMI que o Legião Urbana estava oficialmente terminado. E assim perfaz uma era, culminando com o fim da trajetória da maior banda de rock do país de todos os tempos. O desfecho de um tempo em que éramos tão jovens, tão rebeldes e ao mesmo tempo tão inocentes, tão revolucionários, queríamos apenas mudar o mundo. Um tempo que ficou perdido em que o “será” nunca chegou para conseguirmos vencer o que “Há tempos” estamos a descobrir que “Ainda é Cedo”.
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