QUESTÃO EDUCATIVA #4: HIROSHIMA MON AMOUR
- Wender Imperiano
- 6 de ago. de 2019
- 6 min de leitura
Hoje, dia 06 de Agosto de 2019, poderia ser mais um dia qualquer para que eu venha a contribuir com minha coluna musical semanal. Porém, a data de hoje marca uma triste coincidência com a minha coluna: O aniversário de 74 anos do lançamento da bomba atômica que devastou a cidade japonesa de Hiroshima.
O leitor mais crítico pode questionar o seguinte: - Tá, mas o que isso tem a ver com a música? Eu respondo: - Tudo! Principalmente quando levamos em consideração a canção “Hiroshima Mon Amour” da banda Alcatrazz.
A banda em questão é pouco (ou nunca) lembrada por muitos fãs de Rock, mas não por aqui, pois tratamos de dar o seu devido destaque!
O Alcatrazz surgiu na década de 1980, idealizado pelo vocalista Graham Bonnet (Ex-MSG e Rainbow), logo após a sua saída um tanto conturbada da banda de Ritchie Blackmore (Deep Purple, Rainbow e Blackmore’s Night).
Bonnet queria montar uma super banda, capaz de marcar a história do Rock. Então, tratou de recrutar nomes de peso. Foi quando surgiu o convite ao então jovem guitarrista sueco Yngwie Malmsteen (Posteriormente substituído por ninguém menos que Steve Vai!!!), fã declarado de toda a obra de Blackmore, que logo aceitou a proposta.
Completaram o time o baixista Gary Shea (New England e Warrior), Jimmy Waldo (New England e Warrior) nos teclados e John Uvena (Alice Cooper) na bateria.
Com um time de músicos com muita bagagem musical, o Alcatrazz tinha tudo para decolar e fazer história no Rock. Porém, não foi bem assim. Infelizmente, sabemos que o Rock não se faz apenas com boas músicas e as melhores das intenções. É preciso ter jogo de cintura para encarar o exigente mercado fonográfico. Talvez este tenha sido o pecado que condenou esta promissora banda, jogando-a ao ostracismo roqueiro.
Em 1983, a Alcatrazz grava o excelente disco “No Parole from Rock n’ Roll”, onde consta a supracitada música “Hiroshima Mon Amour”, a qual iremos focar nesta seção do Questão Educativa! Acrescentamos, ainda, que recorremos ao livro “A última mensagem de Hiroshima – O que vi e como sobrevivi à bomba atômica”, escrito pelo Hibakusha (literalmente "pessoas afetadas pela explosão", é uma expressão japonesa usada para se referir às vítimas dos ataques de bomba atômica ocorridos no Japão da Segunda Guerra Mundial (nas cidades de Hiroshima e Nagasaki) Takashi Morita.

Livro escrito pelo Hibakusha Takashi Morita, que procurou refúgio no Brasil para recomeçar sua vida, anos após o ataque nuclear em Hiroshima. Leitura altamente recomendada!
De 1939 a 1945 o planeta viveu um dos períodos mais sombrios da sua história: A Segunda Guerra Mundial. Nesta época negra, o Japão lutava ao lado de Alemães e Italianos, num conflito insano e cruel.
À época havia uma verdadeira doutrinação nas escolas japonesas a fim de incentivar as crianças a criarem um sentimento de amor incondicional à pátria, podendo chegar ao ponto de sacrificar a sua vida em nome do orgulho japonês (talvez esta conduta justifique a filosofia por detrás dos Kamikazes – pilotos japoneses suicidas).
Sobre o assunto, Takashi Morita diz o seguinte:
“Desde o colégio, ou melhor, desde a primeira educação que recebemos em casa e nas escolas, aprendemos o Yamato Damashii, que é o espírito japonês. Fomos ensinados desde cedo a honrar nossas origens, o que envolve o amor à pátria, o respeito à hierarquia e à tradição, além da devoção irrestrita ao imperador, que era visto como uma divindade pelo povo japonês.”
Hoje admiramos a disciplina japonesa, sua educação e cordialidade sui generis. Mas, no passado, todo esse sentimento era potencializado ao extremo a fim de preparar um sem número de soldados prontos para encararem a guerra, tudo em defesa da honra japonesa que, ao meu ver, nada mais era do que um discurso camuflado para que o imperador fosse satisfeito em seu ego doentio.
Falo isso com base nas sábias palavras do senhor Takashi Morita, herói que sobreviveu à hecatombe nuclear e nos conta sua história para que ela jamais se repita, pois à época da explosão da “Little Boy” (nome dado à bomba atômica que devastou Hiroshima) a Alemanha, talvez a principal nação promotora da Segunda Guerra Mundial, já havia se rendido, mas o Japão, não. Vejamos as palavras do Hibakusha:
“Enquanto isso, na Europa, a Alemanha já havia se rendido, em maio de 1945. Durante a Conferência de Potsdam (Brandemburgo, Alemanha), realizada para definir o destino da Alemanha e das outras nações após a Segunda Guerra Mundial, foi enviado em 26 de julho um ultimato ao Japão, solicitando a rendição do país para evitar maiores destruições. Ultimato que o primeiro-ministro japonês, Kantaro Suzuki, declarou que seria ignorado. Essa decisão do governo custou muito caro para o país.”
Veja só, penso da seguinte forma: Se o imperador, altamente egoísta, desse a ordem para que o povo japonês aderisse à rendição, seria considerada uma afronta a todos os princípios cultivados desde a infância, o que poderia provocar uma grande revolta contra o seu líder. A fim de não ferir o ego de um povo, e o seu também, o ultimato para a rendição foi ignorado pelos governantes do Japão.
Se o ultimato não fosse ignorado, melhor seria lidar com as feridas do ego a ter que remediar as densas chagas provocadas pelas explosões atômicas, que trazem consequências até hoje. Ainda, se o ultimato não fosse ignorado, certamente a canção do Alcatrazz não seria escrita, tampouco este texto-homenagem.
Takashi Morita descreve como foi o início do trágico dia 06 de Agosto de 1945, senão vejamos:
“Naquele 6 de agosto, a cidade de Hiroshima acordava para viver um lindo dia de verão: crianças se arrumavam para ir à escola, trabalhadores se preparavam para o trabalho e aqueles empenhados no esforço de guerra seguiam com sua tarefa de demolir os edifícios (Nota do Colunista: À época, os governantes determinaram que inúmeros edifícios fossem demolidos a fim de atenuar danos maiores à população em caso de ataques aéreos dos Estados Unidos). Ninguém esperava ter sua rotina interrompida de maneira tão drástica.”
Então, continua Morita, descrevendo o exato momento da detonação da “Little Boy”:
“Às 8h 15, quando estávamos a caminho do abrigo, de súbito, uma força que pareceu vir do além me arremessou cerca de dez metros para a frente. Literalmente voei, tamanho o impacto que me atingiu pelas costas. Nesse mesmo instante, fui envolvido por uma intensa luz branca. Toda a cidade foi envolvida por essa luz do terror. Quando fui atingido, estava a uma distância de 1,3 quilômetros do epicentro da bomba atômica”.
Dito isso, que senti ser necessário para dar um melhor entendimento ao leitor, vamos às considerações à canção.
A música começa com um baita solo inspirador do gênio Yngwie Malmsteen, que logo se transmuta em um Riff muito competente, acompanhado por um teclado. Então, Graham Bonnet começa:
1- Era um recém-nascido com 10 pés de altura,
Mas eles o chamaram de garotinho (Little Boy, nome dado à bomba),
E C7, H5, O6, N3 lhe chamavam
TNT.
Aqui é feita uma descrição da terrível “Little Boy”, um “garotinho” (nome dado em um sarcasmo bestial) que aniquilou entre 90 e 166 mil pessoas em Hiroshima.
2- A bola de fogo iria escurecer o sol,
Prometendo a morte em sua forma mais cruel.
Takashi Morita descreveu que, após a detonação da bomba atômica, o dia virou noite.
3- Hiroshima Mon Amour
Enquanto imploramos para ser perdoados, você cospe
Na nossa cara e amaldiçoa todos nós?
[REFRÃO] A bola de fogo que envergonhou o sol,
Queimando as sombras no chão,
Enquanto a chuva cai para secar a terra,
Deixando sobremesa para o homem sedento.
Neste instante, a banda enaltece dois, dentre tantos, estarrecedores eventos do fático dia 06 de Agosto de 1945: A redução de corpos a sombras marcadas no chão (A bola de fogo que envergonhou o sol, queimando as sombras no chão) e a chamada Chuva Negra (Enquanto a chuva cai para secar a terra), que começou a precipitar instantes após a explosão da bomba.

Horrendo registro de uma das "sombras" de Hiroshima, como ficaram conhecidas as marcas dos japoneses pulverizados instantaneamente após a detonação da bomba atômica. Existem, também, "sombras" em Nagasaki.
Sobre a Chuva Negra, Takashi Morita assim descreve:
“[...] Então se passou mais uma situação estranhíssima: começou a cair do céu uma chuva preta e espessa. Eram pingos mornos e enormes, que chegavam a machucar quando entravam em contato com a nossa pele e caíam da enorme nuvem negra que encobria toda a cidade. As pessoas começaram a gritar que os norte-americanos estavam jogando óleo na cidade, para nos queimar vivos. Ninguém sabia mais o que fazer ou para onde fugir. O desespero deixou paralisados.”
4- Todos eles disseram que seria o fim da guerra,
E agradecemos Cristo pela bomba,
E os sacerdotes e bruxas todos concordaram,
Eles devem morrer para mantê-los livres.
Neste momento, a banda mostra que o Japão já estava cansado da guerra, que aniquilou pais, filhos, mães, sonhos, projetos e felicidade, chegando a “celebrarem” a vinda odiosa da bomba que pôs fim à guerra.
Destacamos que a rendição japonesa foi “anunciada em 15 de agosto de 1945, mas o documento oficial só foi assinado em 2 de setembro de 1945, a bordo de um navio norte-americano que se encontrava na baía de Tóquio” (MORITA, Takashi).
Após um lindo solo de guitarra, a canção retoma o refrão, e encerra-se com um grito a plenos pulmões de Graham Bonnet: HIROSHIMA!
Este trágico evento ficou eternizado, por um motivo detestável, na história da humanidade. Ele jamais deverá ser esquecido para que nós, enquanto humanidade, não possamos cometê-lo novamente. A banda Alcatrazz teve uma curta existência, mas teve tempo suficiente para entregar ao mundo da música uma canção que faz uma viagem a uma profunda reflexão, e deixa a sua mensagem que jamais deverá ser apagada das mentes e corações das pessoas.
Videoclipe oficial da música Hiroshima Mon Amour. Belíssima canção de Rock!
Versão ao vivo da música Hiroshima mon Amour. Assista e repita comigo: Malmsteen toca muito! Registro grandioso!
Que texto descontraído Wender, adorei! Virei mais aqui e avisarei a todos que gostam deste excelente conteúdo! Parabéns! 👏👏